Tirou as bicas que nós tinhamos pedido e, ao mesmo tempo, sorria um sorriso alegre, com um ar jovial, apesar de ter desenhadas no rosto as marcas do cansaço. Estava a cantarolar a canção que passava na rádio, mas, já não sei a que propósito, interrompeu a música para falar da vida.
Ela sorria.
E contou-nos que aquele trabalho lhe dá 530€ por mês e ela fica com quatrocentos e tal líquidos e sobram-lhe cento e tal euros após pagar a letra do carro. Depois compra comida para ela e para os filhos e fica com 20€ para as despesas extra.
Ela sorria.
E eu, enquanto saboreava o café, não conseguia digerir aqueles números tão distantes da minha realidade. Senti-me perturbado. Senti-me abalado.
Ela sorria.
Como se a vida não lhe desse outra alternativa a não ser sorrir em jeito de desafio - quase em jeito de troça até - perante todas as dificuldades. E eu, de coração apertado, não sorri. Mas decidi ser mais consciente e manter os olhos abertos para não ignorar os contrastes que existem nesta sociedade injusta. E percebi que se aquela senhora sorria com 20€ por mês para despesas extra, talvez os extras não sejam assim tão importantes.
Ela sorria.
E aquele sorriso desconcertante obriga-me a reflectir, obriga-me a ver a vida em perspectiva. Mas quando eu agora recordo o sorriso desta mulher já não sinto perturbação. Sinto-me, de alguma forma, inspirado por ele.
Que a vida me perturbe e me abale assim muitas vezes!
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