Três cruzes de madeira erguem-se num monte em Jerusalém. Ali os soldados romanos castigam três homens recorrendo a métodos horríveis, desrespeitando tudo aquilo a que nós hoje chamamos direitos humanos. As crucificações, tradição daquela época marcada pela violência sem limites, serviam não só o propósito de castigar os infractores da lei romana, mas também o de lançar um aviso ao povo: isto é o que acontece a quem não se submete ao império.
Na cruz do meio é castigado um carpinteiro judeu de uma pequena aldeia chamada Nazaré, uma aldeia da província da Galileia. Mas qualquer pessoa que tivesse tido contacto com ele testemunharia que este homem não se tratava de um mero carpinteiro.
Ele tinha passado os três últimos anos a proclamar uma mensagem ousada e radical à qual chamava boas-novas[1] e a transformar a vida das pessoas com quem se cruzava. As multidões tinham-no procurado para ouvirem tais boas-novas ou para lhe pedirem cura para as suas doenças. E ele tinha de facto capacidade para realizar actos de cura, mas preocupava-se também e sobretudo em restaurar a dignidade das pessoas, valorizando-as independentemente do lugar que ocupavam na pirâmide social daquela sociedade tão compartimentada que habitava a região da Palestina durante o século I.
Nos últimos três anos deixara de lado o seu ofício e tornara-se um pregador itinerante. Seguiam-no alguns judeus cativados por este misterioso homem ao qual chamavam mestre. Estes seguidores eram homens vulgares com os quais ele partilhava o quotidiano e também os ensinos mais profundos acerca do “Reino de Deus” que ele dizia estar a chegar (cf. Mateus 4:17). Alguns eram pescadores da região da Galileia. Outros eram cobradores de impostos mal amados pelo povo judeu por serem encarados como traidores e corruptos. Outros seriam presumivelmente zelotes, pertencentes a um movimento político que pretendia expulsar os romanos do território de Israel recorrendo à força se necessário.
Agora o mestre nazareno estava pregado numa cruz no cimo de um monte em Jerusalém. Imagino os seus seguidores perplexos e psicologicamente desfeitos. Tinham dado os últimos anos das suas vidas a este homem. Tinham ouvido as suas palavras e tinham esperança de que este homem trouxesse uma mudança significativa ao ambiente opressor em que viviam. A expressão Reino de Deus estava carregada de simbolismo e é provável que cada vez que eles ouviam referências ao Reino de Deus imaginassem a independência da nação de Israel e o fim não só da opressão romana mas também das regras impostas por uma elite judaica comprometida com os romanos.
Só que aquele que tinha anunciado o Reino de Deus jazia agora numa cruz sob uma acusação carregada de ironia: “O Rei dos Judeus”. Exasperada com as acções e os ensinos deste homem, a elite judaica manipulou o povo e o governador Pilatos para que o homem fosse condenado. Pilatos, talvez por despeito ou talvez por perceber que a acusação era falaciosa, deixou que na placa sobre a cruz estivesse o tal título irónico e humilhante para qualquer judeu.
Na biografia escrita por Lucas, o acontecimento é relatado assim:
“Era quase meio-dia quando o Sol deixou de brilhar e toda a Terra ficou às escuras até às três horas da tarde. A cortina do templo rasgou-se ao meio. Então Jesus deu um grande brado e disse: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.» Mal acabou de pronunciar estas palavras, morreu. Ao ver isto, o oficial romano que ali estava deu glória a Deus exclamando: «Este homem era realmente justo!» As pessoas que lá se juntaram para presenciar o que acontecia, depois do que viram, voltaram para casa a bater no peito. Todos os que conheciam Jesus pessoalmente, incluindo as mulheres que o tinham acompanhado desde a Galileia, ficaram a uma certa distância a ver o que se passava.” (Lucas 23:44-49)
Jesus morria na cruz e com ele morria a esperança daqueles homens que o tinham seguido. Observavam a uma certa distância aquilo que se passava e nos seus pensamentos reinaria certamente a confusão, a angústia e as questões sem resposta.
Mas não era o fim…
[1] Boas Novas, do grego Euangelion, era uma expressão usada na época para designar a chegada de boas notícias políticas, normalmente dadas por um mensageiro ao serviço do Império. É pouco crível que a escolha desta expressão por parte de Jesus tenha sido inocente. De facto, cada vez estou mais convencido de que os actos e as palavras de Jesus têm uma conotação política intencional. (Ver The Politics of Jesus, John Howard Yoder).
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