A notícia é chocante e espalha-se depressa. O sepulcro onde tinha sido sepultado o corpo de Jesus estava aberto, apesar de ter sido selado pelos soldados romanos a pedido das autoridades judaicas. E, facto ainda mais perturbador, o sepulcro estava vazio.
Começam então a multiplicar-se os relatos de reencontros com Jesus. Inicialmente alguns dos seus seguidores permanecem incrédulos, mas, aos poucos, a convicção generaliza-se entre aqueles que tinham privado com Jesus: o mestre estava vivo! Tinha ressuscitado!
Afinal a cruz não marcava o fim da esperança. Pelo contrário, estavam diante de um acontecimento muito maior do que a imaginação poderia prever. A alegria e o espanto dos discípulos devem ter sido indescritíveis. É provável que tenham sido assaltados por inúmeras questões e que, de repente, se tenham recordado de episódios vividos com o mestre que ganhavam novo significado à luz da ressurreição. Agora as questões já não traziam o gosto amargo da angústia sentida dias antes. Eram questões balbuciadas, ou talvez apenas pensadas, num misto de euforia e dúvida.
Numa das ocasiões em que apareceu juntos dos discípulos depois de ressuscitar, Jesus preocupa-se em responder às suas questões:
“Jesus acrescentou ainda: «O que eu vos tinha dito, quando andávamos juntos , é que tudo o que estava escrito a meu respeito na Lei de Moisés, nos livros dos profetas e nos Salmos, tinha de se cumprir.» Depois abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras e disse-lhes: «É assim que está escrito: que o Messias tinha de morrer, que ao terceiro dia havia de ressuscitar dos mortos e que em seu nome se havia de pregar a mensagem sobre o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações, começando em Jerusalém.»”
(Lucas 24: 44 a 47)
Traídos pelas expectativas messiânicas[1] disseminadas na comunidade judaica da Palestina do primeiro século, os discípulos não tinham percebido a mensagem que Jesus lhes transmitira. Não perceberam que o próprio Jesus os avisara acerca da sua morte e ressurreição. Não perceberam que o Reino de Deus que ele anunciara não era um reino físico com fronteiras e governo à semelhança do Império Romano, mas um reino alternativo aos impérios da terra, com características peculiares e fascinantes. Agora o Jesus ressurrecto explica-lhes que a sua morte e a sua ressurreição estavam previstas nas escrituras sagradas do judaísmo, desde os livros mais antigos contendo a Lei de Moisés, até aos livros dos profetas mais recentes. A promessa de libertação de Israel através da vinda de um Messias era transversal a todas as escrituras e os discípulos, também eles conhecedores dessas escrituras, começaram a compreender que tais promessas foram absolutamente cumpridas em Jesus.
Mas a descoberta foi ainda mais profunda e surpreendente: os discípulos de Jesus, judeus convictos, começaram a identificar Jesus com Deus. Tendo em conta que o judaísmo é uma religião monoteísta e que os homens de quem falamos eram judeus que zelavam cuidadosamente pelo cumprimento da doutrina, esta identificação de Jesus com o único Deus era tida como uma afronta e até heresia por quem não a compreendia. Por isso, os doutores da lei judaica começaram a perseguir aqueles que anunciavam que Jesus tinha ressuscitado e que Jesus era o próprio Deus. Pelo empenho desses judeus excessivamente zelosos e pelas mãos do próprio Império Romano, os primeiros seguidores de Jesus iriam ser perseguidos, torturados e, muitos deles, mortos. Mas isso não os impediu de continuar a espalhar a sua fé. Pelo contrário. Num livro da Bíblia chamado Actos dos Apóstolos, Lucas conta-nos como os discípulos começaram a espalhar a fé com ousadia e alegria e a pôr em prática o que tinham aprendido com Jesus, apesar de serem constantemente ameaçados e maltratados.
A ressurreição de Jesus marcou assim o início de um movimento que se prolongou ao longo dos séculos, influenciando toda a história da civilização ocidental e da própria humanidade. Este é o movimento dos seguidores do mestre nazareno, seguidores que já não olham para ele apenas como um mestre terreno, mas como a expressão humana do próprio Deus. Nasce assim o cristianismo.
[1] Messias era a designação dada a alguém que havia de ser escolhido por Deus para governar Israel cumprindo as promessas das escrituras e salvando os israelitas da opressão.
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