Os países da terra têm uma constituição que define os direitos e os deveres dos cidadãos e impõe limites para que a vida em comunidade seja possível. Não sei se será ou não abusivo dizer que podemos obter uma constituição do Reino de Deus a partir dos ensinos de Jesus, nomeadamente a partir do sermão do monte (Mateus, capítulos 5, 6 e 7). Acredito que a Bíblia foi inspirada por Deus e que por isso encontramos nela reflexos do carácter do próprio Deus. Esses reflexos ajudam-nos a encontrar orientação para as nossas decisões quotidianas, para dilemas éticos e para questões morais. Mas pessoalmente não acredito que encontremos na Bíblia um manual com respostas directas que permitam resolver todos os dilemas morais. A Bíblia não pretende ser uma constituição, mas uma colecção de livros que narram a história do relacionamento entre Deus e a humanidade criada por Ele.
Portanto, qualquer tentativa de definir a constituição do Reino de Deus corre o risco de ser redutora. Para que seja o menos redutora possível, o melhor é recorrer às palavras do próprio Jesus. Marcos fala-nos de uma ocasião em que um doutor da lei judaica se aproximou de Jesus para lhe perguntar qual é o mandamento mais importante. Jesus respondeu citando precisamente a lei que Moisés tinha dado ao povo de Israel:
“O mais importante é este: Escuta, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. E o segundo em importância é este: Ama o teu próximo como a ti mesmo. Não há nenhum mandamento mais importante do que estes.” (Marcos 12:29-31)
Mais tarde, numa carta enviada aos cristãos de uma região chamada Galácia, Paulo reafirmou as palavras de Jesus ao escrever que “toda a lei de Deus se resume num só mandamento: Ama o teu próximo como a ti mesmo.” (Gálatas 5:14)
Gosto de encarar esta resposta de Jesus como o resumo da constituição do Reino de Deus. Conseguimos nós imaginar um reino cuja constituição fosse totalmente inundada de amor? Cujos cidadãos fossem movidos por amor genuíno uns para com os outros? Não seria isso espectacular? Pois é isso mesmo que Deus deseja que nós comecemos aqui na terra.
O Reino de Deus é um reino de boas obras. Um reino onde os cidadãos colocam os interesses dos outros à frente dos seus. Um reino de gente sedenta de justiça, gente que não se conforma com o que há de errado no mundo e que procura apresentar alternativas, procura ser alternativa. Gente cujo coração sangra perante o desespero daqueles que vivem à nossa volta ou daqueles que entram nas nossas casas via televisão ou internet. Gente que não aguenta ficar de braços cruzados, mas que deseja colaborar na missão de reconciliação dos homens com Deus e uns com os outros. Mas nenhuma missão faz sentido e nenhuma obra tem valor se não for motivada pelo amor. Paulo também o disse: “Ainda que eu dê em esmolas tudo o que é meu, se me deixar queimar vivo e não tiver amor, de nada me serve.” (1 Coríntios 13:3)
Se eu só pudesse reter uma pequena parte de tudo aquilo que escrevi e de todos os pensamentos que vou tendo acerca do Reino de Deus e da caminhada cristã, então retinha esta parte: a ideia é amar Deus com todo nosso coração, com toda a nossa alma, com todo o nosso entendimento e com todas as nossas forças e, através desse relacionamento de amor com Deus, aprender a amar os outros como a nós mesmos. Isto não é uma receita. Isto é viver. Acaba por ser muito simples e só a nossa tendência para complicar todas as coisas nos impede de reparar nessa simplicidade.
Termino este texto referindo que o amor tem tudo a ver com a Páscoa. Jesus disse que “não há maior amor do que dar a vida por aqueles a quem se ama.” (João 15:13) A crucificação de Jesus é o acontecimento da história que melhor exemplifica este tipo de amor. Ele deu a sua vida por amor e pede aos cidadãos do seu Reino que façam o mesmo.
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